Virou rotina na Câmara e no Senado a tentativa de aprovação de alguma forma de anistia a políticos investigados ou já condenados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e prática de caixa dois em campanhas eleitorais. Isso ocorre desde o primeiro trimestre de 2015, quando a Procuradoria-Geral da República anunciou a apresentação dos primeiros inquéritos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
Mantendo o hábito da alternância nas manobras, agora um grupo de senadores se mobiliza para consumar alterações discutíveis na Lei da Ficha Limpa. No final da atual legislatura pretende-se, em rito expresso, mudar as regras sobre a inelegibilidade de agentes públicos condenados e impugnados no espírito dessa legislação saneadora.
Até a Ficha Limpa, em 2010, os prazos de inelegibilidade eram variáveis. Condenados ficavam inelegíveis por três anos. A nova legislação aumentou o prazo para oito anos.
Houve questionamentos nas cortes superiores. E, em outubro do ano passado, o Supremo decidiu que a Ficha Limpa vale para todos, com aplicação, inclusive, em casos de abusos punidos com a inelegibilidade por apenas três anos. Assim, os condenados por esses tipos de fraudes contra interesses do Estado e da sociedade não podem assumir cargo e função pública ou mandato eletivo por um período de oito anos.
Em reação, o senador Dalirio Beber (PSDB-SC) apresentou três semanas depois projeto para garantir a quem teve decisão judicial transitada em julgado, antes da Ficha Limpa, que sua inelegibilidade seja fixada em três anos. Um retrocesso, à luz da interpretação do Supremo. Ressalte-se, porém, a inquestionável legitimidade dessa proposta e seu adequado foro, o Congresso.
Na época requereu-se urgência na tramitação do projeto. Nada aconteceu nos 12 meses seguintes, até o último dia 7. Estranhamente, na sequência da avalanche que impediu a reeleição de cerca de um terço dos senadores, aprovou-se de maneira súbita a “urgência” requisitada em dezembro de 2017 para mudar a Lei da Ficha Limpa. Em votações assim repentinas, costuma-se aprovar o original com adendos, os chamados jabutis legislativos.
São recorrentes as manobras para mudar o caráter do sistema de repressão à corrupção, lavagem de dinheiro e prática de caixa dois em campanhas. Numa madrugada, em setembro de 2016, a Mesa da Câmara chegou a anunciar a votação em plenário de uma anistia geral, sem que houvesse um projeto conhecido, autores e relatores identificados. Foi impedida pela dura reação do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).
No Senado, agora, trilha-se outro caminho, na mesma direção: retroagir no conjunto legislativo que balizou até aqui a Operação Lava-Jato. Seria frustrar a sociedade, que foi às ruas em 2013 e acaba de reafirmar sua posição pelo voto direto.
Editorial - O Globo
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