Paulo de Souza forjou processo para esconder contratação direta de empresa, que forneceu equipamentos usados como se fossem novos a hospital municipal
O ex-prefeito de Boa Saúde, Paulo de Souza, e o empresário Edinaldo Batista da Silva foram condenados por dispensa indevida de licitação e superfaturamento na compra de equipamentos para o Hospital e Maternidade Municipal Januário Cicco, nos anos de 2003 e 2004. A condenação resultou de uma ação penal de autoria do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN).
Além deles, foram condenados pela irregularidade no processo licitatório os integrantes da comissão de licitação do Município na época: Edilson Francisco do Nascimento, Artaxerxes Dias de Aguiar e Valdiran Oliveira Silva. Os três receberam como pena o pagamento de multa de R$ 3.463,74 e três anos e nove meses de detenção, esta última substituída por duas penas restritivas de direitos: fornecimento mensal de cestas básicas e prestação de serviços à comunidade.
Já o ex-prefeito foi condenado a três anos e seis meses de reclusão e quatro anos de detenção; enquanto o empresário recebeu como pena quatro anos de detenção e mais quatro anos de reclusão; em todos os casos em regime aberto. Ambos terão ainda de pagar multa de R$ 4.041,03 e poderão passar cinco anos inabilitados para o exercício de cargo ou função pública.
O MPF já recorreu da sentença e busca punições mais severas. A apelação, que deverá ser analisada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, requer a elevação da pena de Paulo de Souza e Edinaldo Batista para mais de quatro anos de prisão por cada delito praticado, bem como solicita a somatória das penas de reclusão e detenção. Qualquer das medidas determinaria a fixação de regime de cumprimento de pena inicial, no mínimo, semiaberto.
Irregularidades - A ação penal, de autoria do procurador da República Rodrigo Telles, apontou que os condenados cometeram diversas irregularidades na execução de dois convênios da Prefeitura com o Ministério da Saúde, que previam a compra de equipamentos e materiais para o Hospital e Maternidade Januário Cicco. A aquisição foi realizada, de fato, através da contratação direta da empresa Edinaldo Batista da Silva ME, sem que houvesse amparo legal para a dispensa da licitação.
O juiz federal Orlan Donato Rocha, da 14ª Vara, considerou que “o arcabouço probatório angariado aos autos demonstra que, inegavelmente, a documentação das 'licitações' referidas repetidamente como Convite n. 08/2003 e Convite n. 09/2004 é, na verdade, produto de estratagema ardiloso empreendido com o intuito de ocultar contratação direta”.
Entre as provas que sustentam a conclusão, o magistrado cita o fato de que os mesmos três “concorrentes” participaram dos dois supostos certames, “sem que houvesse qualquer justificativa plausível para tanto”. Também não foram encontrados na Prefeitura diversos documentos relativos aos processos; e as duas empresas “derrotadas” nos procedimentos não tinham o fornecimento de equipamentos hospitalares como objeto social, “o que não os impediu de oferecerem propostas e serem habilitados no (ilusório) certame”.
A empresa vencedora, aliás, só havia alterado seu objeto social para incluir o comércio de equipamentos hospitalares poucos meses antes das licitações. Um auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou, em depoimento, que todas as licitações realizadas no Município de Boa Saúde, durante a gestão de Paulo Souza, eram permeadas de irregularidades e algumas empresas participantes sequer existiam fisicamente.
No caso das compras para o hospital, o responsável por uma das empresas “derrotadas” declarou nunca ter participado de qualquer licitação para vender material hospitalar, porém teria assinado um papel timbrado em branco para o representante da outra empresa também “derrotada”. Este afirmou, em audiência na Justiça, que tudo estaria arranjado para Edinaldo Batista vencer o processo.
Outro indício da fraude lcitatória diz respeito às datas. As cartas-convite foram recebidas no mesmo dia em que foi publicado o edital, embora nenhuma das empresas tivesse sede em Boa Saúde. “Fica claro, então, que a documentação foi forjada, e a produção da documentação falsa deixou diversos assomos, pois foi feita de maneira simplória e descuidada”, resume o juiz federal.
Superfaturamento – Além das irregularidades na licitação, o MPF denunciou sobrepreço e superfaturamento no fornecimento dos bens adquiridos para a unidade hospitalar, o que teria ocasionado um prejuízo de quase R$ 30 mil. O magistrado também se convenceu da prática. Uma auditoria do TCU apontou que “os equipamentos e materiais hospitalares fornecidos eram, em boa parte, usados, obsoletos e recondicionados, quando evidentemente deveriam ser novos”.
A empresa da qual Edinaldo Batista teria comprado os equipamentos que repassou ao hospital de Boa Saúde declarou que sua última operação de venda ocorreu anos antes, em julho de 2001, e que as notas fiscais apresentadas pelo condenado faziam parte de um talonário extraviado. “Vê-se, portanto, que malogrou o projeto ignominioso e astucioso do réu de tentar comprovar que eram novas as mercadorias avelhantadas que forneceu ao Município de Boa Saúde/RN”, cita a sentença.
Inexistiu, ainda, comprovação de qualquer pesquisa prévia de preços, demonstrando que os valores foram fixados pelo gestor político e pelos envolvidos na ilegalidade. “Diante de todas as considerações feitas (…) constata-se, de forma cabal, que foram fornecidos bens em valores superiores ao valor de mercado, prática tradicionalmente conhecida por superfaturamento. Além disso, esses mesmos bens fornecidos, já em valor superior, eram velhos e desgastados.”
O processo tramita na Justiça Federal sob o nº 0011184-79.2009.4.05.8400
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