Empresa vencedora não funcionava de fato e dinheiro do convênio chegou a ser transferido para conta pessoal de Kerginaldo Rodrigues
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) conseguiu a condenação em primeira instância de dois ex-prefeitos de Monte das Gameleiras, Reginaldo Felix de Pontes e seu tio Kerginaldo Rodrigues Pinheiro, além de outros três envolvidos em um esquema de desvio de verbas públicas e fraude à licitação, a partir de um processo forjado para compra de medicamentos e aquisição de materiais hospitalares, com recursos do Ministério da Saúde.
Os demais condenados foram a então secretária de administração do Município e presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL), Marliete Maria de Morais, e os empresários Felipe André Bernardo de Assis, sócio da Natal Médica Distribuidora de Medicamentos Ltda. - ME; e Ângela Maria Guilhermina, sócia da Erymed Comercial Ltda.. Também denunciado pelo MPF, Onilson Machado Lopes, sócio da Psicofarma Hospitalar, não foi julgado pois teve seu processo desmembrado dos demais por “se encontrar em local incerto e não sabido”.
Reginaldo administrou a cidade de 2005 a 2008 e, em dezembro de 2006, firmou convênio com o Ministério da Saúde, no valor de R$ 103 mil, para aquisição de medicamentos a serem disponibilizados à população de Monte das Gameleiras. Em julho de 2007, o Município lançou dois procedimentos licitatórios, na modalidade convite, cada um no valor de R$ 70 mil, com a participação em ambos das mesmas empresas: Natal Médica, Erymed e Psicofarma.
A Psicofarma, que venceu no maior número de itens dos dois procedimentos, teve sua situação cadastral cancelada pouco mais de um mês depois, perante a Secretaria de Tributação do Estado, e era considerada inativa pela Receita Federal desde 2005, não tendo qualquer estoque ao final de 2006 e não apresentando qualquer movimentação de mercadorias em 2007. Motivo pelo qual não teria condições sequer de participar da licitação, muito menos de atender os pedidos.
No entanto, o cheque repassado à empresa, de R$ 73.413,26, foi endossado em favor da Natal Médica, sendo o pagamento pulverizado em várias operações: depósitos de R$ 2 mil e de R$ 13.120,26 para a própria Natal Médica; transferência de R$ 5 mil e de R$ 24.644 em favor de Kerginaldo Rodrigues (que havia administrado a cidade entre 2001 e 2005); e um saque de R$ 28.629, cujo beneficiário não pôde ser identificado.
Fraude – Os procedimentos foram irregulares desde seu lançamento, pois em vez de fracionar em duas licitações por cartas-convite (cada uma de R$ 70 mil), pelo valor integral disponível (R$ 140 mil) seria obrigatório o Município promover uma licitação por “tomada de preços”, modalidade que permitiria maior transparência e concorrência. Em seus depoimentos, “nenhum dos réus soube dizer quem escolheu e muito menos o porquê da escolha da carta-convite para a licitação”.
“Os documentos (…) contidos na própria documentação que formou as licitações, e os elementos colhidos durante a instrução processual demonstram que houve combinação de preços nas propostas que foram apresentadas, em nítida fraude ao caráter competitivo do procedimento licitatório, comprovando não ter havido, na realidade, competição alguma”, aponta a sentença.
Dois dos então integrantes da Comissão Permanente de Licitação (CPL) do Município declararam não ter conhecimento técnico para acompanhar os processos licitatórios. Já a então presidente da CPL, Marliete Maria, afirmou que, “no dia da abertura dos envelopes, foram os empresários que conversaram, fizeram ajustes e decidiram quem ganharia os itens das licitações”, porém depois voltou atrás e disse que, “na verdade, houve a apreciação das propostas e a feitura de uma ata pela comissão, com a posterior remessa desses documentos à pessoa de Creso Dantas, a quem caberia dizer qual seria o próximo passo dos procedimentos, já que a ré não sabia”.
Creso Dantas, que prestava assessoria à Prefeitura de Monte das Gameleiras, responde a vários processos na Justiça Federal por ser responsável por um escritório de contabilidade onde, em busca e apreensão autorizada judicialmente, foram descobertos documentos elaborados para compor procedimentos licitatórios fraudulentos em dezenas de municípios do Rio Grande do Norte.
Penas - Autor da sentença, o juiz Mário Jambo, destaca que inexistem provas, sequer, de que os medicamentos chegaram a ser entregues. Por tudo isso, Reginaldo e o empresário Felipe André foram condenados por fraude à licitação (art. 90 da Lei nº. 8.666/93) e desvio de recursos públicos (art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº. 201/67), já Kerginaldo foi sentenciado pelo desvio, enquanto Marliete e Ângela Maria pela fraude.
A pena de Reginaldo Felix foi fixada em dois anos e oito meses de reclusão e dois anos e seis meses de detenção, devendo ser cumprida inicialmente em regime semiaberto. Felipe André recebeu uma pena de dois anos e oito meses de reclusão e dois anos e três meses de detenção, a ser cumprida inicialmente também em regime semiaberto.
Marliete e Ângela tiveram suas penas, ambas de dois anos e três meses de detenção, substituídas pelo pagamento de R$ 1 mil por mês e prestação de serviços à comunidade. Já Kerginaldo Rodrigues foi sentenciado a dois anos e oito meses de reclusão, pena substituída pelo pagamento mensal de R$ 2 mil e prestação de serviços à comunidade. Todos ainda terão de pagar multa.
Apelação - Da decisão ainda cabem recursos. O MPF, através do procurador da República Fernando Rocha, já apresentou apelação na qual requer a reforma da sentença para aumentar as penas, condenar os réus por “dispensa indevida de licitação” e também a fixação de um valor mínimo a ser indenizado pelos condenados.
Após o trânsito em julgado da sentença, caso seja mantida, os dois ex-prefeitos e o empresário deverão ser considerados inabilitados para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de cinco anos. O processo tramita na Justiça Federal sob o número 0004284-41.2013.4.05.8400.
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